O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) vai reabrir as investigações sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog. A informação foi dada nesta segunda-feira pelo procurador Sergio Suiama, na TV Cultura, onde Herzog trabalhava quando foi torturado e morto em 1975, na sede do DOI-CODI, em São Paulo, durante a ditadura militar, no governo do presidente Ernesto Geisel, e confirmada pelo MPF.
O inquérito será retomado depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou, no início de julho, o Estado brasileiro. Foi a primeira vez que a Corte reconheceu um assassinato cometido durante a ditadura do Brasil como um crime contra a humanidade. O Brasil havia sido condenado em 2010 por não ter investigado os desaparecimentos ocorridos na Guerrilha do Araguaia.
Suiama atuou como perito na Corte, a pedido do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), do qual fazem parte Clarice e Ivo Herzog, e o evento realizado nesta segunda-feira serviu para explicar o trâmite do processo.
— O MPF anunciou que o caso vai voltar a ser investigado. Estavam aguardando a decisão internacional. Já começa o cumprimento da sentença — afirmou Beatriz Affonso diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil) para o Brasil, que ajudou a família a apresentar o caso na CIDH.
A decisão, segundo Affonso, pode ter impacto em outros casos semelhantes, mas também só deve ser resolvida no Supremo Tribunal Federal.
— Tem um horizonte novo muito importante que os administradores de Justiça no Brasil vão ter que enfrentar que é não poder usar prescrição e a Lei de Anistia como obstáculo para investigação — explicou ela. — As outras investigações também não vão poder ser barradas por isso ou, com certeza, vai criar um mal estar de outro patamar. Com certeza, vamos parar no STF para decidir sobre o crime contra a humanidade.
Na sentença do caso Herzog, ficou estabelecido que daqui um ano o governo brasileiro deverá apresentar um relatório mostrando o que fez para reabrir as investigações contra os responsáveis pela morte e também como procedeu para pagar uma indenização de cerca de U$ 240 mil devido aos danos morais e materiais sofridos pela família com o assassinato do jornalista.
De acordo com o MPF, os documentos do caso estavam em Brasília e o inquérito estava suspenso aguardando a decisão da CIDH sobre o caso. Depois da sentença, a documentação já foi enviada para SP, onde a procuradora responsável pelo caso, vai instaurar um novo procedimento de investigação nos próximos dias. O caso Herzog estava arquivado desde 2008.
— O que significa silenciar um jornalista para uma democracia? Acho que esse caso é antigo, mas onde fica explícito como a gente fragiliza um país quando o estado resolve silenciar um jornalista — afirma Affonso.
CRIME CONTRA HERZOG
Herzog nasceu na antiga Iugoslávia, em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia, mas devido a perseguição nazista a família veio para o Brasil. Ele era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) para prestar um depoimento em 25 de outubro de 1975. Naquele dia, foi submetido a um interrogatório sob tortura e morreu devido à violência sofrida.
À época do crime, os militares afirmaram que Herzog tinha cometido suicídio dentro da prisão. Com uma tira de pano, os agentes amarraram o corpo pelo pescoço à grade de uma janela e chamaram um perito do Instituto Médico Legal paulista para fotografar a cena forjada de que Vlado, como era conhecido, tinha dado fim à própria vida. Para tentar comprovar sua versão, o governo militar divulgou a foto do corpo pendurado, em que se vê os pés do jornalista apoiados no chão, evidenciando a farsa.
Depois da morte, a Justiça Militar realizou uma investigação na qual sustentou a versão do suicídio. No entanto, em 1978, em uma ação cível, a família conseguiu o reconhecimento da responsabilidade do estado pela morte do jornalista, mas os militares que cometeram o assassinato nunca foram punidos. Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, mas esta foi arquivada com base à interpretação vigente da Lei de Anistia.
A sentença da CIDH determina que o Brasil reabra as investigações e o processo penal “para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog, em atenção ao caráter de crime contra a humanidade desses fatos e às respectivas consequências jurídicas para o Direito Internacional”.
No dia da condenação, o Ministério das Relações Exteriores informou, por nota, que encaminhará à CIDH, dentro do prazo estipulado de um ano, um relatório sobre as medidas implementadas para apurar a morte do jornalista. “O Brasil reconhece a jurisdição da Corte e examinará a sentença e as reparações ditadas”, diz a nota.
CASO BACURI
Na terça-feira (31), encerra o prazo para o governo brasileiro prestar informações sobre o assassinato de Eduardo Leite, ex-integrante da Vanguarda Popular Revolucionária e conhecido como Bacuri. Ele morreu em 8 de dezembro de 1970 e é considerado o militante que passou mais tempo sob tortura durante a ditadura. Foram 109 dias sob interrogatório violento nas instalações da Marinha, do Exército e pela equipe do delegado Sérgio Fleury. De acordo com a família, pouco antes de morrer, ele já não conseguia andar. No entanto, para entregar seu corpo, as Forças de Segurança forjaram um tiroteio.
A família de Bacuri, também por meio do Cejil, denunciou o caso em 2011 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, etapa anterior à apreciação da CIDH. Eles exigem que sejam esclarecidas as circunstâncias da morte já que seu corpo tinha diversos sinais de tortura, como ausência dos olhos, orelhas e língua.
— Nunca houve uma investigação, nem uma abertura de inquérito. Não temos nenhum rastro — explicou o advogado Erick Curvelo, que atua para o Cejil no caso.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores disse que o processo é sigiloso e que o governo vai prestar as informações necessárias dentro do prazo.